O condicionamento dos homens para a manutenção de sua existência,
em face de si mesma, do mundo e dos outros. Já a
natureza humana seria a essência do homem, impossível de ser
alcançada pelo próprio homem. Para Hannah Arendt, o homem moderno experimenta o
problema de ter a dimensão do labor como a mais importante. A relação com os
outros e com o mundo acaba substituída pela imediata satisfação das
necessidades básicas. A vida, quando privilegia o labor, os prazeres
biológicos, comer, dormir, beber, ter relações sexuais, ou seja, apenas com o
objetivo de sobrevivência, torna-se tão básica quanto estas necessidades. Quando
tratamos o mundo como uma forma de alcançar nossos objetivos imediatos, o que
chamamos de trabalho deixa de ser transformação para ser labor; ele vira
repetição sem fim, na desgastante rotina dos trabalhadores: alienação. 0 agir
também se reduz ao labor, na medida em que nossa relação com os outros não é
nem de gratuidade nem de busca política, como o desenvolvimento humano
coletivo. 0s outros são meros objetos, por meio dos quais nossas satisfações
são realizadas, e a política deve ser orientada para o labor, para o básico, e
nada mais. 0 mal sempre foi uma reflexão
importante para a Filosofia. Para tentar compreende-lo, Hannah Arendt orbita em torno da
seguinte formulação. Como é possível que, no século XX, os homens convivam com
um mal como o nazismo, por exemplo. Pensando nos campos de extermínio nazistas,
que mataram milhões de pessoas por motivos banais, como entender que foram tão
poucos os que a eles se opuseram? Durante a
Segunda Guerra Mundial, os prisioneiros eram escravizados, torturados e
assassinados por não serem – conforme estabeleciam as normas nazistas –
arianos, racistas e, em suma, nazistas. Conforme sua origem, religião,
orientação sexual e postura política, o indivíduo era violentamente arrancado
de sua casa, encarcerado e submetido a um penoso regime de trabalhos forçados. Hannah Arendt mostra que o mal não
estava apenas nos soldados assassinos ou em Hitler, mas em todos os que não
usavam, para combatê-lo, sua faculdade mais sublime, que é o pensamento. A
banalização do mal está, justamente, no fato de que as pessoas optam por não pensar criticamente e nada
fazem para impedir o mal; elas fingem que acontecimentos relevantes para a
sociedade não lhes dizem respeito, isto é, pensam apenas em si. Foi assim que a
filosofa interpretou o julgamento do oficial nazista Adolf Eichmann – ao contrário
do qual foi condenado à morte por crimes contra a humanidade. Na época,
muitos o viram como a personificação do mal. Arendt, ao contrário, viu nele
uma figura banal. Para ela, são as pessoas banais que se omitem ou fazem as
piores atrocidades. 0 mal não é sedutor nem monstruoso, como a mitologia
representa, mas banal, comum, ordinário. Eichmann não era um pivô, uma parte
fundamental na engrenagem nazista, mas apenas uma peça, que poderia muito bem
ser substituída por outra. Por ser peça
de uma engrenagem, Eichmann apenas viveu a atividade do labor. Procurou apenas
sobreviver, sem refletir sobre o modo como vivia. Sem aprofundar sua sobrevivência,
apenas executou ordens, obedeceu e lucrou com isso, enquanto pôde. Mas suas
ordens faziam parte de um sistema de destruição matou crianças, mães, pais,
jovens, idosos, sem questionar se aquilo era ou não um mal. 0u, se o fez, não
assumiu outras dimensões da vida ativa, como o trabalho e a ação; trabalho,
como construção de um mundo, e ação, como o que permite que esse mundo seja
melhor.
Banalidade do mal na democracia
A
“banalidade do mal” apontada por Hannah Arendt no caso Eichmann não pode ser
entendida como um fato isolado, restrito aos eventos do nazismo. Na sua
reflexão sobre a banalidade do mal, Arendt aponta para as fragilidades da moral
no mundo contemporâneo, onde os mandamentos podem ser substituídos pelo seu
contrário, dependendo do que convém no momento. Dessa forma,
“Não matarás” pode ser facilmente abandonado por “matarás”; ou onde se lê, na
Declaração Universal dos Direitos
Humanos, “Toda pessoa tem direito à
vida, à liberdade e à segurança pessoal”, na prática podemos observar que nem
toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança; ou, ainda, onde se
lê “Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel,
desumano ou degradante”, pode significar, em alguns contextos, que alguém pode
ter a sua humanidade ignorada e, portanto, pode ser torturado e tratado com
crueldade.A reflexão
empreendida por Arendt nos leva a considerar que a banalidade do mal se faz
presente quando nos comportamos de forma a ignorar os mandamentos morais, a
reflexão ética relativa aos direitos humanos, justificando as ações mais
terríveis como “brincadeira” ou “trote” ou como “medida necessária para manter
a ordem”, ou, ainda, “porque as circunstâncias assim exigiam”, entre outras.
Quando somos coniventes ou omissos com os processos de desumanização tendemos a
deixar de reconhecer os “outros” como seres históricos, como seres de
sentimentos e pertencimentos. Alimentamos
o mal banal sempre que nos comportamos sem pensar nas regras e nas
consequências da exceção da regra, sempre que ignoramos a necessidade de
reflexão ética. Como encarar as pessoas que votam em políticos
corruptos por causa da propaganda,
ignorando os fundamentos críticos da vida política (ação)? 0ra, a corrupção
começa no instante em que as pessoas não se importam com a política. Cada
indivíduo que não procura entender a política, escondendo-se atrás de
desculpas, é culpado pela corrupção.
COMO A
CORRUPÇÃO MATA?
Com a
diminuição do número de hospitais, centros de alimentação, casas de acolhida
para adolescentes e crianças; com escolas mal aparelhadas, professores mal
pagos, empresas que adulteram remédios e alimentos; com o aumento da falta de
segurança nas ruas, do número de policiais mal remunerados e correndo risco de
morrer; com cadeias superlotadas que não recuperam ninguém, entre outros.
Enfim, se alguém morre por algum dos efeitos do desvio de verbas, o eleitor
também é responsável por essa morte. Para quem
banaliza o mal, é fácil culpar apenas os políticos. Mas é preciso pensar também
em como cada um age. Muitos políticos envolvidos em sucessivos escândalos
continuam a ganhar eleições – eis uma banalidade do mal votar sem analisar, dar
o voto a pessoas suspeitas. O predomínio
do labor, da alienação e da falta de comprometimento das pessoas em geral
impede o agir solidário, voltado para a realização da democracia com igualdade
de direitos e de acesso aos bens materiais e morais.
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