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sexta-feira, 10 de junho de 2011

Proposta Curricular do Estado de São Paulo para Filosofia

Proposta Curricular do Estado de São Paulo
para a disciplina de Filosofia
Filosofia e Cultura
No senso comum, filosofar é tirar os pés    
do chão e ficar em devaneios em cima das
nuvens. Essa imagem do pensador com olhar
e mente distantes, flutuando sobre os mortais,
foi criada com a ajuda dos próprios filósofos
e professores de Filosofia, durante anos especializados numa espécie de trava-línguas do
pensamento e alheios às demais manifestações
e dimensões da Cultura. Por isso, considerando que o ensino de Filosofia no nível médio foi
restabelecido de forma legal, parece interessante perguntar como o professor de Filosofia
vê sua presença no universo escolar. Qual o
papel, ou papéis, que ele pode e deve desempenhar? Qual a função do ensino de Filosofia nos atuais formatos curriculares, assentados especialmente no desenvolvimento de competências e habilidades?
Em primeiro lugar, o retorno da Filoso-
fia ao Ensino Médio deve ser entendido como
o reconhecimento da importância desta disciplina para ampliar o significado e os objetivos
sociais e culturais da Educação. Para tanto,
é imprescindível a presença, nos programas escolares, de disciplinas que – como a
Filosofia – propõem reflexões que permitem
compreender melhor as relações históricosociais e, ao mesmo tempo, inserir o educando no universo subjetivo das representações
simbólicas, elevando a Educação a um nível político-existencial, capaz de superar a mera transmissão e aquisição de conteúdos, feitas de modo mecânico e inconsciente. Quem pode discordar, por exemplo, de que já está mais do que na hora de levar os debates sobre ética para fora das aulas e seminários especializados, escondidos nas
universidades e produzidos para meia dúzia de especialistas de fala incompreensível?
Do mesmo modo, por maior que seja a capacidade que os meios de comunicação têm
de influenciar a opinião pública, exercitando     
positivamente seu direito de denúncia social,
nenhum educador imagina transferir à mídia
a responsabilidade pelo estabelecimento de
valores éticos para formação de crianças e
adolescentes.
A questão se torna ainda mais difí-
cil quando se atribui à escola a função de
formar cidadãos capazes de interferir, de maneira consciente, no contexto social de que
fazem parte. A condição de cidadania não se
materializa com o uso de símbolos exteriores, aplicados após a memorização de umas
poucas sentenças compreendidas, como se fosse um crachá de identificação que diferenciasse seu portador
das demais pessoas que compõem a sociedade. Além disso, é importante lembrar que, para a aquisição dos valores da cidadania, são decisivas as influências que o aluno armazena dos ambientes sociais que frequenta, em
especial a família. É claro que o professor de Filosofia, assim como os demais, deve participar ativamente do processo de percepção e formação desses valores, mas isso não significa que ele deva abdicar das funções de docência, deixando de produzir conhecimento sobre sua disciplina. Essa produção de conhecimento pode
ser fortemente dinamizada, se o professor de
Filosofia promover o debate interdisciplinar.              
Assim, por exemplo, de um lado discussões  
escolares sobre violência urbana ou racismo
poderiam ser melhor desenvolvidas pelos
professores de Sociologia ou História, a partir
de um diálogo com o professor de Filosofia.
De outro lado, a intermediação da Filosofia
poderia ampliar a compreensão de questões
como desmatamento ou engenharia gené-
tica, trabalhadas nas aulas de Geografia e
Biologia, e assim por diante. As combina-
ções são ilimitadas, permitindo um saudável
intercâmbio de idéias, com benefícios para
alunos e professores.
Entretanto, embora ainda sejam poucas as vozes questionadoras da importância do ensino da Filosofia, os profissionais da Educação, em geral, e os da Filosofia, em particular, manifestam preocupação quanto a algumas questões fundamentais: “Como
ensinar Filosofia?” ou: “Como formar professores para o ensino de Filosofia no ensino médio?”; “Será que os cursos superiores preparam, adequadamente, esses professores?”; “Qual a qualidade do material didático disponível?”; “Como despertar o interesse dos alunos e incentivá-los a pensar filosoficamente?”...
Como é do conhecimento de todos, nenhum desses problemas constitui duvidoso privilégio da Filosofia, podendo ser relacionados às demais disciplinas que compõem os programas de ensino no Brasil. Uma coisa parece, no entanto, certa: não irá muito longe o professor que encerrar um pensador numa espécie de caixa preta, tentando isolar seu pensamento, imaginando que a arquitetura do texto, por si só, poderá levar a qualquer forma de compreensão ou reflexão. Não podemos considerar a hipótese de que o educando terá uma boa formação apenas por conseguir compreender as estruturas do pensamento de um filósofo, isolado em um planeta imaginário onde tempo e história não coabitem. Isso porque o uso de ou o recurso a um  pensador, sem a preocupação de fazer pensar o seu leitor contemporâneo, é um exercício inútil. É como deixar de viver e evitar todos os riscos que a vida implica, para durar mais... Além disso – considerando que as manifestações do pensamento devem ser analisadas em sua historicidade –, a própria análise de um
texto filosófico precisa ser historicizada e posta em relação com outras disciplinas. Desse modo, como já foi lembrado, a Filosofia pode assumir uma de suas principais funções, a de ser uma ferramenta conceitual, produtora de síntese, com o que animaria o debate multidisciplinar, elevando os padrões do Ensino Médio.
Aqui, é importante considerar a trajetória percorrida pela Filosofia na história da educação brasileira. Os jovens que frequentam hoje os cursos superiores de Filosofia talvez não saibam que, durante décadas – desde sua aparição em nosso mundo escolar, há cerca de oitenta anos –, seus conteúdos, maltratados ora pelo discurso teológico, ora pela verborragia intraduzível que saía dos moinhos de palavras de alguns especialistas. Estes conteúdos mais pareciam raciocínios emanados de seres supremos, cujos códigos
de acesso poderiam ser decifrados graças à mecânica das palavras, dispensando maiores complicações de pensamento. Recentemente, entretanto, após a instalação dos cursos de pós-graduação (final da década de 1960 e início da seguinte), a Filosofia consolidou-se nos ambientes universitários, aumentando sua visibilidade pública, tanto pelos espaços culturais ocupados pelos profissionais da área como por sua presença nos embates políticos que levaram à superação do regime autoritário instalado no país. As vozes dos filósofos, além de serem ouvidas, puderam, enfim, ser entendidas e, junto com as falas de outros representantes do universo cultural e político brasileiro, mostravam-se mais preocupados com o restabelecimento da democracia no Brasil, do que com o sentido filosófico da cidadania clássica da Grécia antiga. Desde essa época, a solidão contemplativa a que se restringia o estereótipo do filósofo foi recolhida para o espaço da anedota e ele deixou a caverna para ganhar o espaço da Cidade.Essas considerações não devem ser entendidas como uma avaliação depreciativa da História da Filosofia, pois ela foi, é e será sempre fundamental para o estudo da Filosofia. Aqui, o que se considera é que, a despeito de sua importância, a História da Filosofia não deve constituir a principal orientação para o ensino da disciplina na escola pública, pois é com o olhar voltado para o mundo que se aprender a pensar filosoficamente – muitas vezes, recolhendo material nas ruas que o aluno percorre para chegar à escola. Um jornalista, por exemplo, realiza entrevistas com crianças que vivem no tráfico ou na prostituição e encerra aí o seu trabalho; mas certamente a compreensão da questão poderá ser mais bem sintetizada, a partir de seus fundamentos, pelo professor de Filosofia. 

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