Reflexão sobre humilhação e velhice
A humilhação é um sentimento de desigualdade. Para José
Moura Gonçalves Filho, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo
(USP), a humilhação consiste em uma modalidade de angústia disparada pelo
impacto traumático da desigualdade de classe, isto é, a angústia que se sofre
quando alguém se depara com um abismo chamado desigualdade, o que corresponde à
percepção de que, enquanto um está em posição superior; o outro se coloca,
violentamente, em uma posição inferior.
A desigualdade experimentada do lado de fora é internalizada
como sofrimento, ao qual muitas pessoas
já estão habituadas. Dessa maneira, além da humilhação crônica que atinge os
pobres, como resultado das desigualdade
econômicas e políticas, experimenta-se uma espécie de angústia assumida pelo
humilhado nas mais variadas manifestações de sua existência.
Mas quando uma pessoa é humilhada? Quando se mostra a ela
uma diferença que a põe em situação de inferioridade. Por exemplo, quando um
chefe grita com o funcionário, quando um adulto ou jovem ignora ou maltrata um
idoso, quando uma mulher é agredida pelo marido, quando uma pessoa mais forte
ameaça outra menos forte. Enfim, existe em nossa sociedade uma hierarquia
constante que leva o humilhado a sentimentos que o agridem, como susto, medo,
pavor, tristeza, ódio, culpa, solidão, os quais, muitas vezes, são
interiorizados pelas pessoas.
Na sociedade, todos são, em alguma medida, humilhados, mas,
no caso das pessoas mais pobres, isso pode ser constante e ocorrer da infância
à velhice. A humilhação contínua vai se acumulando e moldando as pessoas,
levando-as a ter uma baixa autoestima, e tornando-as menos sensíveis, menos
solidárias e até mesmo violentas.
SOBRE A VELHICE
A escritora Simone de Beauvoir procurou refletir sobre a
exclusão dos idosos em sua sociedade, mas do ponto de vista de quem sabia que
iria se tornar um deles, como quem pensava o próprio destino. Para ela, um dos
problemas da sociedade está no fato de que cada indivíduo percebe as outras
pessoas como meio para a realização de suas necessidades: proteção, riqueza,
prazer, dominação. Desta forma, nos relacionamos com outras pessoas priorizando
nossos desejos, pouco compreendendo e valorizando suas necessidades.
Esse processo aparece com nitidez em nossa relação com os
idosos. Em seu livro, a pensadora demonstra que há uma duplicidade nas relações
que os mais jovens têm com os idosos, uma vez que, na maioria das vezes, mesmo
sendo respeitado por sua condição de pai ou mãe, trata-se o idoso como uma
espécie de ser inferior, tirando dele suas responsabilidades ou encarando-o
como culpado por sobrecarga de compromissos que imputa a filhos ou netos.
Mesmo em situações de proteção, pode-se ter processos de
humilhação quando, sem a devida atenção sobre as reais condições que apresentam
os idosos para resolver com autonomia seus problemas, os mais jovens passam a
subestimar os mais velhos, assumindo tarefas em seu lugar.
Quando não se respeita uma pessoa em sua integridade
emocional, intelectual e material, ela é excluída da sociedade pelos governos,
pelas instituições, pelas famílias, pelas pessoas em geral. Os grupos mais
excluídos por essas práticas são as crianças e os idosos.
Em vários lugares, como bancos e supermercados, há caixas
preferenciais para idosos, mas, mesmo que elas sejam suficientes para garantir
seu conforto, será que suas condições sociais também o são? Há, também, a
gratuidade no transporte coletivo, mas quem viaja de ônibus sabe que às vezes
suas condições não são adequadas para transportar quem tem um corpo frágil.
Além do desamparo quanto ás condições materiais, a
desconsideração para com opiniões e emoções dos idosos também deve ser
analisada para a superação das condições de humilhação sofrida por eles em
nossa sociedade.
No texto “A velhice”, Simone de Beauvoir escreveu que o
idoso é uma espécie de objeto incômodo, inútil, e quase tudo que se deseja é
poder tratá-lo como quantia desprezível.
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